segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

play



Pegou o primeiro papel que viu, um rascunho de um desenho de criança e começou a rabiscar. Começou com letras, fez palavras, formou predicados, sujeitos e sentenças. Não tinha pressa, por surpresa o pensamento dessa vez havia vindo mais devagar, mais sereno que a escrita, mais devagar que um camelo de férias tomando água de coco no Saara. Começou então, não como de costume, pelo começo.

Escreveu sobre a infância, sobre a vida no interior. As brincadeiras, as mulecagens com os amigos, o João Bobo, o peão, o pega-pega, o pique esconde, cadê? Não sei. Lembrou de Pedro, seu dinheiro, seu Master System e suas duas irmãs. Durante muito tempo sonhara ser o Alex Kid, ganhar aquelas duas beldades no Joquei Pô e ficar deitado numa rede esperando o mundo terminar. Não terminou. Então continuou. Foi dessa para a adolescência.

Do sonho para a realidade, virou cunhado de Pedro. Não conseguiu as duas, mas da feira, experimentou uma maça. E gostou, e foi atrás de outros lares de outros pomares. Numa dessas escreveu a sua primeira carta de amor, pegou gosto pela preposição. Da dissertação ao argumento, da prosa a poesia, das cartas as magoas, chegou à idade adulta.

Conheceu o desapego, o desgosto e a cachaça. Todas um tanto difícil de descer da primeira vez, sendo a última um pouco mais prazerosa, um pouco mais fiel. Com mel, com ela, sem ela. Tanto faz. Um gole. Glup. Desceu!

E agora se encontrava aqui nesse sofá velho com 39 anos e uma Bic, escrevendo esta carta para se despedir. Dizem que quando vamos partir, passa um filme na nossa cabeça. É verdade, disse ele. Decidiu então transformar esses últimos minutos num romance. Escreveu. Escreveu. Ficou orgulhoso no final, mas um pouco receoso. Não queria mais se matar. A vida parecia bela depois daquelas palavras. Tirou um tempo para pensar. Pensou.

Pegou os papeis. Leu, releu. Tinha escrito a sua obra prima. Não tinha como negar. Não tinha. Pegou o controle remoto que estava na mesa, apertou o play e deixou o casting subir...FIM!

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

“O que toca seu iPod, o que toca seu coração?”



Essa era uma pergunta simples, mas que o fez fechar a boca e abrir um baú de lembranças. Teobaldo não tinha essa resposta. Sempre tocara sua vida para os estudos, pelos estudos e para se dar bem. Sabia geologia, comia gramática, vomitava logaritmos e agora essa pergunta? Isso não estava no gibi, nas provas da tia Leda nem no telecurso 2000.

Lembrou-se de uma vez em que caminhava pelos corredores do colégio contando os passos, analisando os graus, somando os dividendos, calculando a área de cada passo, o cúbico de cada azulejo. E naquela época, se alguém lhe perguntasse, g não era igual a 10 m/s² e nem Pi era igual a só 3,14. Diminuía logo o g para 9,80665 m/s² e aumentava o Pi para 3,1415926535897932384626433832795.

Agora tinha chegado a hora e sabia que seria de grande valia não hesitar. Sempre soube o top 10 da rádio, sabia o que se passava na TV, e o que tocava as pessoas daqui: Funk, Sertanejo, Pagode. Eca. Sempre resolvera as dúvidas de todos os colegas, sempre muito solícito. Era como se ele estivesse na beira de um abismo, com todas as ferramentas, todos os conhecimentos mas sem o ritmo que faz seus glóbulos vermelhos sambarem. Ele tinha toda uma orquestra com os melhores músicos, os melhores baixistas, solistas e outros “istas”, mas não sabia como mexer os pauzinhos. Malditos pauzinhos.

Teobaldo olhou para Gláucia, que aguardava ansiosa por mais uma resposta. Deu dó. Em seguida saiu um sol. Desafinado com as métricas e as regras, afinado com seu peito, tocou.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

entre o silêncio e a música



Furadeira,
ambulância,
nhec-nhec,
britadeira,
buzina,
interfone,
vizinho,
em cima,
em baixo,
do lado,
na diagonal.
Toc-Toc.
Quem é?
São Paulo.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

No fim, uma vírgula.

Hoje acordei, o dia parecia estar adiantado, mas na verdade era meu G-shock, atrasado. Torci pelo pé pesado do motorista. Nada. Na Oi, ouvi alguns tchaus. Belos sons, belas canções que me fizeram lembrar de uma fase nem tanto. O cobrador estava lá, o motorista estava lá, a reclamona estava lá, o pedinte estava lá, e eu? Estava? Sei lá. Indo para o trabalho, muitas coisas acontecem, pessoas se conhecem, fulano fala com ciclano, que fala com beltrano que escuta um som, e num fala com ninguém. Minha vida cabe numa viagem. Aliás, cada itinerário é uma viagem: sem ácido, sem drogas, com rock ‘n roll, uma dose de pinga e três reais. Três reais o caralho, quero troco. Meu café é pequeno, mas é justo. Coloco o pé na calçada, deixo o chão para trás, chego ao trabalho. Minha chefe me aguarda com um taco de beisebol, um punhal de prata e algumas bombas de efeito moral. Só eu num vi. “Zé, você pode subir aqui um minuto?” Claro, disse eu. Subi feliz da vida, achando que meu salário subiria junto. “TOLO” gritou um bueno amigo meu, invisível. Na verdade era dia de reclamar da gramática, dia de tirar pontos, evitar repetições e mudar vírgulas. Resumindo, minha moral caiu e a vírgula do meu salário que era para ter ido para a direita, ficou na mesma. Continuo com o mesmo ganha-pão, a mesma cerveja e o mesmo miojo. O que mudou é que agora escrevo também pra mim, e coloco, as minhas, vírgulas, aonde eu quero,

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Para sobremesa

Não tinha dormido bem. Já tinha virado rotina. Entre tics e tacs, um sonoro triiimmm. Bateu a mão, derrubou o despertador no chão, desligou, ufa. Seu travesseiro era testemunha: desde a infância que não sonhava com Donuts. Foi ao banheiro, tomou um banho, se vestiu, apertou o botão do elevador, desceu. Caminhou sobre a mesma calçada, entrou na mesma padaria, viu alguns doces, teve um déjà vu, e pediu um café. “Sem açúcar dessa vez, Adamastor, sem açúcar.” Todos pareciam saber, menos ele. O garçom olhou de soslaio, o cobrador nem desejou bom dia, e até a catraca do ônibus estava mais dura dessa vez. Fez um esforço, passou, viu um lugar vazio, sentou. Era uma quinta feira, São Paulo chovia, uma moça ao lado chorava. Ela era ruiva, usava um cachecol e um all-star verde. Ele não entendia muito bem o porquê, mas gostava da cena, queria tocar, mas disfarçava. Sempre que isso acontecia, tentava reprimir seus sentimentos de uma forma dissimulada. Por isso, abriu a mochila, pegou o walkman, ligou seu Chopin e olhou pela janela. Viu prédios, pontes, carros, semáforos e postes. Viu também um cartaz de um nutricionista argentino com os dizeres: “VOCÊ É O QUE VOCÊ COME” escrito com cores fortes e letras garrafais. Isso poderia ter um duplo sentido, e por um instante, teve a impressão de que o cartaz o devoraria. Mas não, ele olhou para si, e se achou um tanto indigesto. “Nem com muita maionese”, pensou. Desfocou sua visão, sacudiu a cabeça e voltou para a realidade. Viu que a moça tinha acabado de apertar o botão, ela desceria na Rua Brigadeiro Luis Antonio. Antes mesmo disso acontecer, ele já sentia saudades. E na hora que o ônibus parou, sentiu uma vontade louca de ser ela, pensar como ela, andar como ela, agir como ela, viver feito dela. Chegou a dar água na boca, mas se conteve. Mesmo assim ficou desconfiado de si mesmo, deu um stop no Chopin e desceu. Ela já não chorava, Sampa ainda chovia. Pegou o telefone, ligou para o trabalho, inventou uma intoxicação alimentar, e disse que não iria. “Do que ela gostava? Por que chorava? Do que ela era feita?” Eram perguntas que ele só teria a resposta, se apertasse o passo, se tomasse coragem de falar com ela. E foi o que fez. Quebrou a timidez no meio, tirou da manga algumas cartas marcadas e comentou que ela ficava muito bem naquele cachecol, junto daquela tristeza toda. Mesmo um pouco confusa, disse que o cachecol tinha ganhado da mãe, e a tristeza do pai. Muitas idéias se passavam em sua mente. Nunca tinha vivido tanto em tão pouco tempo. Nunca tinha se arriscado daquela maneira. Como numa cachoeira, suas idéias vinham e iam numa velocidade absurda. Pensou no all-star, lembrou de sua infância. Pensou no canivete que guardava no bolso, lembrou do argentino, mas não tirava da cabeça a vontade de ser o outro, de ser ela. Foram até seu apartamento, e ele, com um apetite pela vida, provou ela de todas as maneiras possíveis. Comeu, comeu e comeu. Êxtase. Prazer. Pausa. Pausa também na respiração da moça. Preocupação. Sangue. Tensão. Tesão. Coração em ritmo acelerado. Um minuto de silêncio. Silêncio ensurdecedor. Se vestiu, apertou o botão do elevador, desceu. Caminhou sobre outra calçada, entrou noutra padaria, pediu um Donut. Não precisava mais sonhar. Play no Chopin, acenou para o ônibus e foi embora. Nessa noite, dormiu sem contar um carneiro.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Crise Econômica



No vaivém do mercado,
estou fechado para balanço.