terça-feira, 4 de agosto de 2009

No fim, uma vírgula.

Hoje acordei, o dia parecia estar adiantado, mas na verdade era meu G-shock, atrasado. Torci pelo pé pesado do motorista. Nada. Na Oi, ouvi alguns tchaus. Belos sons, belas canções que me fizeram lembrar de uma fase nem tanto. O cobrador estava lá, o motorista estava lá, a reclamona estava lá, o pedinte estava lá, e eu? Estava? Sei lá. Indo para o trabalho, muitas coisas acontecem, pessoas se conhecem, fulano fala com ciclano, que fala com beltrano que escuta um som, e num fala com ninguém. Minha vida cabe numa viagem. Aliás, cada itinerário é uma viagem: sem ácido, sem drogas, com rock ‘n roll, uma dose de pinga e três reais. Três reais o caralho, quero troco. Meu café é pequeno, mas é justo. Coloco o pé na calçada, deixo o chão para trás, chego ao trabalho. Minha chefe me aguarda com um taco de beisebol, um punhal de prata e algumas bombas de efeito moral. Só eu num vi. “Zé, você pode subir aqui um minuto?” Claro, disse eu. Subi feliz da vida, achando que meu salário subiria junto. “TOLO” gritou um bueno amigo meu, invisível. Na verdade era dia de reclamar da gramática, dia de tirar pontos, evitar repetições e mudar vírgulas. Resumindo, minha moral caiu e a vírgula do meu salário que era para ter ido para a direita, ficou na mesma. Continuo com o mesmo ganha-pão, a mesma cerveja e o mesmo miojo. O que mudou é que agora escrevo também pra mim, e coloco, as minhas, vírgulas, aonde eu quero,

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Para sobremesa

Não tinha dormido bem. Já tinha virado rotina. Entre tics e tacs, um sonoro triiimmm. Bateu a mão, derrubou o despertador no chão, desligou, ufa. Seu travesseiro era testemunha: desde a infância que não sonhava com Donuts. Foi ao banheiro, tomou um banho, se vestiu, apertou o botão do elevador, desceu. Caminhou sobre a mesma calçada, entrou na mesma padaria, viu alguns doces, teve um déjà vu, e pediu um café. “Sem açúcar dessa vez, Adamastor, sem açúcar.” Todos pareciam saber, menos ele. O garçom olhou de soslaio, o cobrador nem desejou bom dia, e até a catraca do ônibus estava mais dura dessa vez. Fez um esforço, passou, viu um lugar vazio, sentou. Era uma quinta feira, São Paulo chovia, uma moça ao lado chorava. Ela era ruiva, usava um cachecol e um all-star verde. Ele não entendia muito bem o porquê, mas gostava da cena, queria tocar, mas disfarçava. Sempre que isso acontecia, tentava reprimir seus sentimentos de uma forma dissimulada. Por isso, abriu a mochila, pegou o walkman, ligou seu Chopin e olhou pela janela. Viu prédios, pontes, carros, semáforos e postes. Viu também um cartaz de um nutricionista argentino com os dizeres: “VOCÊ É O QUE VOCÊ COME” escrito com cores fortes e letras garrafais. Isso poderia ter um duplo sentido, e por um instante, teve a impressão de que o cartaz o devoraria. Mas não, ele olhou para si, e se achou um tanto indigesto. “Nem com muita maionese”, pensou. Desfocou sua visão, sacudiu a cabeça e voltou para a realidade. Viu que a moça tinha acabado de apertar o botão, ela desceria na Rua Brigadeiro Luis Antonio. Antes mesmo disso acontecer, ele já sentia saudades. E na hora que o ônibus parou, sentiu uma vontade louca de ser ela, pensar como ela, andar como ela, agir como ela, viver feito dela. Chegou a dar água na boca, mas se conteve. Mesmo assim ficou desconfiado de si mesmo, deu um stop no Chopin e desceu. Ela já não chorava, Sampa ainda chovia. Pegou o telefone, ligou para o trabalho, inventou uma intoxicação alimentar, e disse que não iria. “Do que ela gostava? Por que chorava? Do que ela era feita?” Eram perguntas que ele só teria a resposta, se apertasse o passo, se tomasse coragem de falar com ela. E foi o que fez. Quebrou a timidez no meio, tirou da manga algumas cartas marcadas e comentou que ela ficava muito bem naquele cachecol, junto daquela tristeza toda. Mesmo um pouco confusa, disse que o cachecol tinha ganhado da mãe, e a tristeza do pai. Muitas idéias se passavam em sua mente. Nunca tinha vivido tanto em tão pouco tempo. Nunca tinha se arriscado daquela maneira. Como numa cachoeira, suas idéias vinham e iam numa velocidade absurda. Pensou no all-star, lembrou de sua infância. Pensou no canivete que guardava no bolso, lembrou do argentino, mas não tirava da cabeça a vontade de ser o outro, de ser ela. Foram até seu apartamento, e ele, com um apetite pela vida, provou ela de todas as maneiras possíveis. Comeu, comeu e comeu. Êxtase. Prazer. Pausa. Pausa também na respiração da moça. Preocupação. Sangue. Tensão. Tesão. Coração em ritmo acelerado. Um minuto de silêncio. Silêncio ensurdecedor. Se vestiu, apertou o botão do elevador, desceu. Caminhou sobre outra calçada, entrou noutra padaria, pediu um Donut. Não precisava mais sonhar. Play no Chopin, acenou para o ônibus e foi embora. Nessa noite, dormiu sem contar um carneiro.